Amor
pra mais de meio século
Ouvi esta história sentada numa mesa tomando chá com bolacha de água e
sal numa tarde chuvosa. Acostumada a presenciar contos de fadas mal sucedidos,
fiquei surpresa ao descobrir, não um conto, mas um romance de amor eterno. Não
se tratava de uma dessas histórias meramente inventadas, o pós felizes para
sempre estava ali na minha frente.
Hoje em dia, grande parte dos casamentos tem data de validade
pré-estabelecida, ama-se como ir ao mercado comprar guloseimas – a qualquer
hora, a qualquer momento, quando não se tem nada a fazer, e, se o produto não
for bom, não existem meios termos, lata do lixo. Devido a esse turbilhão de
coisas acontecendo no mundo do amor, eu andava meio desacreditada dele até
sentar para tomar chá com bolacha junto ao casal que, logo que saí da casa dos
meus pais para cursar a universidade, me adotou para neta.
Às vezes fico pensando que bons tempos eram aqueles em que as pessoas se
apaixonavam e faziam serenatas embaixo da janela correndo risco de terminar
aquela canção apaixonada com um banho de água fria. Andavam quilômetros a pé ou
a cavalo para ver a amada. A espera ansiosa pelo dia do terço na casa de uma
comadre era infinita, talvez não tanto pela devoção e necessidade da reza, mas pelo
desejo de encontrar mais uma vez aquele anjo que lhe acompanharia pela eternidade.
A história que tem gosto de chá
com bolacha de água e sal não trata de príncipes ou princesas, é gente comum
como nós. Quis o destino que logo nos primeiros anos de escola
estivessem lado a lado, contudo não se percebessem. Coisas de crianças. Naquele
tempo as mudanças eram constantes, devido a necessidade da roça e da
sobrevivência. No meio de tanta mudança, foi numa ruazinha qualquer de uma
pequena cidade que Maria, que não saía não fosse para cumprir deveres, passava
junto a Mariazinha, quando cruzou com uma pequena mudança em cima de uma
carroça.
Os poucos móveis puxados pela carrocinha deixavam à vista um rapazinho
bem pobre, roupinha batida, chapeuzinho de palha enfiado na cabeça, muito
simpático e educado, que quando menos esperava já tinha soltado um “boa
tarde!”. O coração de Maria não se desesperou e suas mãos não suaram. Quando
seus olhos pousaram sobre aquele que seria o seu prometido, sua boca,
involuntariamente, declarou: “Mariazinha, um dia eu vou me casar com esse
moço”. E assim foi.
Como na redondeza sempre existia um tio que era casado com uma irmã de
um senhor fulano de tal e este era parente de um beltrano, nas festas,
bailadas, terços e todo tipo de comemoração estavam todos os vizinhos presentes. Portanto, os primeiros olhares, sorrisos e
perguntas sobre o tempo aconteceram em algumas destas festas.
Depois do passeio no jardim, em que Maria trocou o braço das
companheiras para sentar-se ao lado daquele que já fizera seu coração pulsar,
ficou acertada a conversa com as famílias para marcar o casamento. Naquele
tempo, que não é tão distante assim, não existia namoro de longos anos seguidos
do desamor.
Mesmo sem muitas condições, uniram-se perante a lei
terrena e também a lei de Deus. Com a bondade, o caráter e a honestidade que
até hoje se pode ver através dos olhos, criaram cinco filhos e alguns netos. O
tempo foi encarregado de colocar todas as coisas nos devidos lugares. Acredito
que se casaram aqui na terra com uma extensão para viver lá no céu.
Com toda a turbulência que a vida lhes permitiu, achei
interessante me contarem esta história de mãos dadas, olhos brilhantes e
coração unido, como se revivessem cada momento. Hoje, com sessenta e um anos de
casamento, trazem no rosto e no corpo as marcas de um tempo e uma vida bem
vivida. Não lamentam e não levantam uma só questão de que algo poderia ter sido
diferente, afinal, eles foram sempre muito felizes.
A impressão que tenho é de que abri um livro e dele
resgatei uma história mágica em que o tempo, mesmo passando tão rapidamente,
não se deixou passar, e as dores, os infortúnios que a vida permitiu aos
personagens não foram maiores que o amor que os uniu. Mesmo depois de tantos
anos, ainda se pode ver brilhar nos olhos de cada um a promessa de que um só
entregará o outro a Deus e com muitos choros.
Com esse exemplo vivo de um amor tão puro fui motivada
a acreditar que ainda hoje é possível um amor assim. E, mesmo que não seja tão
grande e forte já me conforta saber que ele também acontece na vida real. Para
dizer a verdade nunca pretendi um desses amores que chegam num cavalo branco
com direito a sonetos na sacada, mas desejo assiduamente um amor que tenha sabor
de chá com bolacha de água e sal em dias de chuva.